Um assassinato
perfeitamente legal
Um romance policial nutricional
Regina Vossenkaul
Logo nas
primeiras semanas após o casamento, Emmi percebeu que a escolha do marido, um
bonitão valente, havia sido um erro. Ela o admirava e causava inveja às amigas.
Também seus pais estavam encantados com esta união: filho único e herdeiro de
uma grande fazenda, que sorte! Logo Emmi havia desconfiado de suas intenções,
pois ele vivia perguntando a respeito de seus conhecimentos e habilidades na
agricultura.
Será que ele só precisava de uma mulher para trabalhar? Havia
garotas mais bonitas no local, mas Emmi era muito trabalhadora, de confiança e
humilde. Alguns beijinhos no escuro e um “eu te amo” haviam dissipado todas as
dúvidas. “Como fui boba”, lembrava Emmi de sua ingenuidade.
A primeira
decepção foi no aniversário de sua mãe, quando seu esposo Hubert, sem
cerimônia, trocava carícias por baixo da mesa com uma prima. Mais tarde, eles
sumiram por meia hora e, quando voltaram, os cabelos de sua prima estavam
despenteados. Quando Emmi foi tomar satisfação, ele foi rude e respondeu: “Você
não vai perder nada com isso.”
Durante os longos anos de casamento, esse comportamento piorou. Ele era infiel,
agressivo, teimoso, às vezes irascível e brutal. Divórcio? Impossível naqueles
tempos! Além disso, havia os filhos, que precisavam de um lar, dois garotos e
uma menina. Pelo menos com isto ele estava satisfeito. Tinha um herdeiro. Além
do mais, Emmi tinha tanto trabalho que não dava para refletir. Todos os dias
transcorriam da mesma forma – muito trabalho, muitas obrigações. À noite, caía
exausta na cama. Agora, as crianças já haviam saído de casa. Raramente vinham
visita-la.
“Isto é minha vida”, pensava ela, “cheia de trabalho e desavença. Com minha mãe
foi a mesma coisa. Por acaso ela se queixou alguma vez? Acho que escolhi um
modelo errado, pois existem mulheres que vivem melhor. Elas até saem de férias.
Curtir uma ilha ensolarada, não cozinhar, ser servida, isso seria uma
maravilha!”
Emmi estava sentada num banco em meio à exposição de flores e refletia. Essa
excursão havia sido seu pedido para o 30º aniversário de casamento. Havia dado
briga novamente e Hubert saíra zangado. Aqui estava ele sozinha, esperando que
ele viesse buscar.
Olhando ao redor, percebeu um folheto embaixo do banco. Seu título era “Carne
de porco e saúde, palestra do Dr. Hans-Heinrich Reckeweg.” Para passar o tempo,
começou a ler.
Relatava o médico que, durante a Segunda Guerra Mundial e logo após, a saúde do
povo alemão era relativamente boa. A partir de 1948,quando novamente havia
bastante comida, com fartura de carne de porco e açúcar, certas doenças
voltaram a se alastrar. Após longos anos de observação e experimentos em ratos,
o médico chegou a conclusão de que o consumo frequente de carne de porco – como
assado, linguiça ou toucinho – provocava as seguintes doenças: apendicite,
problemas da vesícula cólicas no fígado, colite, artrite, artrose,
arteriosclerose, pressão alta, má circulação, estreitamento e calcificação das
coronárias, gripes e, principalmente, câncer.
Emmi pensou: “Até pode ser verdade o que ele escreveu.” Hubert, um comilão,
também não tinha mais aquela saúde. Sua frase predileta era “prefiro a verdura
que antes passa pelo porco.” Seu apêndice já havia sido retirado, seu coração
já estava dando problemas, sofria de gota e de pressão alta. O médico já havia
dito, se não emagrecesse, algum dia teria um infarto. “isto não seria o pior”,
pensou Emmi e começou a calcular. Se o marido ainda aguentasse 5 anos, ela
estaria com 56 anos. Se levasse mais 10 anos, ela estaria com 61,
suficientemente moça par aviajar pelo mundo. Ela guardou o folheto com cuidado
na bolsa.
Nos dias que se seguiram, Hubert não reconheceu mais sua esposa. Antes, ela
dizia que ele não devia comer tanto, tanta gordura; não devia colocar três
colheres de açúcar no café; não devia beber tanto no bar à noite. Agora o
incentivava a se servir. “você merece”, dizia, “homem sem barriga não é homem.”
Havia fartura de carne de porco de todas as formas – da criação própria! Logo
cedo ela preparava ovos com toucinho para ele e, após o farto almoço, havia
diariamente café com bolo. Quando ele sentia dor de estômago, ela lhe oferecia
uma dose de Schnaps. Para problemas de digestão, tinha laxantes à mão. Quando ele
perguntava por que ela comia tão pouco, ela explicava que queria estar
elegante, afinal, ele não gostava de mulheres gordas.
Hubert se gabava: “A gente precisa mostrar às mulheres quem manda em casa.
Outro dia dei um bofetão na minha mulher e desde então ela está uma seda. As
mulheres precisam disso de vez em quando.” Os outros concordavam pensativos.
Nem todos tinham a mulher sob controle como ele.
Emmi tinha 59 anos quando tudo aconteceu. Hubert sentiu dores fortes no baixo
ventre que o obrigaram a consultar um médico. Este o encaminhou ao hospital
para uma série de exames. Veio o diagnóstico: “câncer de intestino.” Cirurgia –
quimioterapia – outras cirurgias. O último ano foi para Hubert uma interminável
tortura.
Agora Emmi estava com os filhos, o genro e as noras no enterro. Através do
espesso véu negro que cobria seu rosto, ninguém podia ver se ela chorava. E ela
chorava mesmo, imaginando como sua vida ao lado de Hubert poderia ter sido
feliz se seu caráter tivesse sido diferente.
“Ele era mulherengo”, cochichavam as pessoas, “mas ela cuidou dele se
sacrificando até o fim. Diariamente o visitava no hospital para alimentá-lo.
Ela é extraordinária!”
Nenhum dos filhos quis assumir a fazenda, que foi vendida e cada um recebeu sua
arte. Uma vez as formalidades cumpridas, Emmi comprou uma casinha perto da
filha da filha. Finalmente chegou o dia com que tanto sonhava: foi a uma
agência de viagens!
Fonte: Um assassinato perfeitamente legal. Nossa alimentação organizado por
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